Jé Oliveira do Coletivo Negro de São Paulo

Foto de Jé Oliveira disponível no site oficial do Coletivo Negro

Conforme disponível no site do Coletivo Negro, Jé Oliveira “é fundador do Coletivo Negro, ator, diretor e dramaturgo, formado pela Escola Livre de Teatro de Santo André, onde hoje faz parte do corpo de Mestres da instituição sendo responsável pelo ensino e confecção de dramaturgias. Também leciona dramaturgia no Sesi Curitiba e pelo país todo com o projeto Sesc Dramaturgia”. 

Com a direção de “Gota D’Água Preta”, ele recebeu o Prêmio APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte, na categoria Melhor Direção em 2019, tornando-se assim o primeiro negro a receber esta premiação na categoria direção. 

Nesta entrevista feita em 2019, conversei com Jé Oliveira sobre a definição de teatro negro e os desafios na cena contemporânea.

Julianna – Como você compreende a categoria teatro negro? Suas obras, dramaturgias, podem ser consideradas como teatro negro?

Jé Oliveira – Eu penso que a primeira coisa quando a gente tem a necessidade de nomear teatro negro é para se opor a um teatro hegemônico que está subentendido, pela nossa oposição, que seria um teatro branco no caso no Brasil. Talvez, o primeiro recorte que me vem a mente quando a gente coloca esse nome é de que é feito por pessoas pretas com a presença da nossa etnia, com a presença da cultura preta. 

Os brancos não nomeiam porque não precisa nomear. Primeiro, porque eles se acham universais, portanto, não precisam pontuar e segundo, porque eles entendem que aqueles recursos dos teatros que eles usam são deles, portanto, brancos. Então, de alguma forma a gente se opõe a isso quando nomeia. A presença da nossa etnia, eu acho que ela pode ser identificada em alguns pontos. 

Não necessariamente só com a presença disso é teatro negro, mas a gente consegue identificar a presença de alguns pontos que podem ajudar a considerar essa poética. A presença de uma musicalidade negra, aí eu falo do samba, do rap, da musicalidade de terreiro, falo também de uma presença de um corpo preto vindo também dessas características religiosas, então, algumas danças de orixás podem ser encontradas, um gingado típico da nossa manemolência, do nosso gingado, sobretudo das pessoas de quebrada, da periferia. 

Depois, acho que a gente pode pensar também em conteúdos, alguns conteúdos que dizem respeito à especificidade de pessoas pretas tanto de quem faz quanto de quem busca uma interlocução com pessoas pretas, acho também que isso é uma característica do teatro negro. À grosso modo acho que seria um pouco isso, então, características étnicas, características sociais – vamos dizer assim, sociais e antropológicas, da busca de uma interlocução e de uma representação. 

Eu lido com isso dessa maneira, eu como homem negro faço um recorte de mundo pelo viés racial e também geográfico, então, um viés aí de raça e classe e vou criando o meu teatro com base nisso, buscando esse interlocutor, essa interlocutora preta, porque são as pessoas parecidas comigo e também com pessoas interessadas às questões que nos dizem respeito – pessoas não-negras interessadas e dispostas a contribuir para uma construção empática de nação e de inclusão verdadeiramente democrática. Então, eu lido com a criação nesses aspectos, me utilizando da minha cultura preta e isso envolve sobretudo a musicalidade e aí o rap que é onde eu bebo mais, que é uma criação genuinamente preta – então, eu me valho bastante do fator da nossa etnia para tratar das nossas questões raciais.

Julianna – Como você compreende a relação entre arte teatral e o ativismo negro/militância negra?

Jé Oliveira – O teatro cumpre uma função muito importante na nossa sociedade, sempre cumpriu e eu acho que hoje cumpre ainda uma função que ele andava um pouco distante, do ponto de vista histórico que é a efetivação mesmo de uma democracia e de uma pluralidade de representatividade e de representação, do ponto de vista do acesso, de alguns assuntos, temas, alguns conteúdos que sempre foram mantidos distantes ou tratados com pouco aprofundamento. 

Então, hoje a maior parte da população, que somos nós, tem a possibilidade de se ver representada e aí eu falo de representatividade mesmo por figuras e pessoas parecidas, do ponto de vista físico e quase sempre também social, tem essa possibilidade – essas pessoas tem essa possibilidade de se ver representada nessas pessoas e isso simbolicamente é muito importante. 

Consequentemente, quando essas pessoas são parecidas, o modo como vivem também é parecido, algumas dores são parecidas, algumas alegrias e esse conteúdo perpassa por tudo isso pela celebração da nossa cultura, pela reinvindicação da nossa humanidade, pela pedagogização do racismo. A gente cumpre um pouco dessa pedagogia social de letramento racial e o teatro cumpre bastante isso. 

Então, os conteúdos passam por todos esses patamares e dialoga muito, quase todos eles, com as pautas do movimento negro, com, por exemplo, a valorização da mulher negra, a solidão da mulher negra, o genocídio do homem negro, o preconceito racial, a discriminação, tudo isso está contido nas minhas criações e isso perpassa bastante do meu conteúdo poético.

Julianna – Você percebe armadilhas ou contradições dentro do teatro negro ou se existe para ti armadilhas e contradições? Eu te pergunto isso, porque fico pensando, por exemplo, toda a produção de um artista negro será que a gente pode considerar como produção de teatro negro? 

Jé Oliveira – Eu acho que só ser negro ou negra não garante nenhuma diferença substancial com relação aos grupos brancos, porque nosso pensamento é muito colonizado ainda. Todas as nossas escolas de teatro, até as mais progressistas bebem muito no teatro europeu. 

E tem muita coisa interessante ali, não dá para a gente jogar tudo fora também. Por exemplo, eu bebo muito no Brecht, identifico no teatro épico dele questões que me dizem respeito e que pode me auxiliar na minha busca por um teatro que possa ser divertido e reflexivo. Então o Brecht me serve muito enquanto expediente. A minha missão é como usar esses recursos sem produzir conteúdo completamente colonizado ou uma estética completamente colonizada como às vezes eu vejo acontecer com as pessoas brancas numa subserviência colonial, vamos dizer assim, e com os nossos pares às vezes numa tentativa de ser aceito pela régua do branco e da branca. Então, eu acho que não sei se são contradições, são desafios, 

Acho que são desafios, descolonizar o máximo mesmo utilizando alguns recursos deles que nos servem. Gosto de pensar mais em desafios.

Referências citadas: 

Biografia e Foto retiradas do site: http://coletivonegro.com.br/je-oliveira/ 

** Este artigo é de autoria de colaboradores do PORTAL BAOBABE e não representa ideias ou opiniões do veículo. O Portal Baobabe oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.